Significados do Surf – Identidade visual
Qual a identidade visual do surf?
29/Abr/2013 - Guilherme PallerosiA imagem do surf é complexa demais para definições simples, mas um exercício para entender os seus apelos é muito bom para conhecer um pouco do que o esporte representa hoje. Alguém já disse antes que uma imagem vale por mil palavras, pois um esporte tão antigo possui uma infinidade de significados. Uma imagem pode expressar muita coisa, mas os significados do surf somos nós quem damos. Pensar em tudo isto ajuda a gente entender a época em que estamos e os valores em alta.
Imagine uma descrição do paraíso na Terra, um cenário da vida no Edem. Eu diria uma ilha tropical, com natureza intocada, muito sol, pouca roupa e tempo livre para relaxar e surfar. Talvez a sua imagem destoa um pouco da minha, mas a descrição convencional do paraíso na terrestre é a mesma de Colobo sobre a América caribenha, ou dos primeiros europeus que chegaram as ilhas polinésias, na expedição do capitão James Cook no século 18. Especialmente no Havaí, os relatos falam de belíssimas paisagens, lindas mulheres, povo amistoso, sexualidade inocente e sem nenhuma repressão, além de muito surf e outras emoções vindas do mar. As cenas que os europeus encontraram nos trópicos, ficaram no imaginário da civilização moderna, ultrapassaram séculos e moldam-se aos nossos dias.
A vida dos antigos polinésios, assim como a dos surfistas modernos, tem uma grande dose de contemplação da natureza, um estilo costeiro de vida comandado pelo ritmo das marés. Mas por outro lado, estas origens também representam outro extremo, a aventura, o desafio à natureza selvagem; adrenalina, endorfina e juventude. Na verdade tudo coexiste no universo do surfe, mas a imagem muitas vezes podem parecer ambíguas: aventura X contemplação, ou antigo X moderno.
E não para por aí, o estilo de vida dos surfistas inaugurou uma estética ao longo do século XX que também tem forte relação com o passado. A relação com o corpo é marcante na construção da imagem do surf, uma liberdade nativa, contestadora e inocente. O shorts sem camisa dos caras e o pouco pano do biquíni das meninas chocaram muitas gerações, mas depois viravam tendência da moda. Depois dos anos 60 e 70, a industria da moda viu um grande potencial e se apropriou deste estilo sensual e arrojado. Hoje é um mercado consolidado e com muitos adeptos, dos quais grande parte nunca surfou na vida.
Em paralelo a moda, as pranchas de surf foram se transformando, sem uma intenção estética mas o intuito de descer ondas maiores e permitir manobras mais ousadas. Esta evolução preconizada por shapers profissionais entraram para vanguarda no design. Oras inspiradas em peixes, navios veleiros, aviões de guerra e formas do desenho industrial, as pranchas de surf possuem um apelo moderno e sexy dos carros esportes. O design estético e funcional das pranchas passa uma ideia de beleza e sofisticação.
A busca do surfista por um estilo de vida alternativo também lhe rendeu imagens com diferentes conotações. A tribo da praia que contesta o mainstream deu origem à outras tribos urbanas. O surfe possuiu um apelo semelhante ao do Rock: a rebeldia. Mas no caso do surf a rebeldia é mais pacifica e menos ideológica, se manifesta como insolência, isto é, ignora certas regras e valores que não concorda sem fazer cara feia. Esta posição apolítica dos surfista também rendeu o esteriótipo de alienado e bon vivant, para não dizer vagabundo.
Esta imagem negativa vem mudando depois que emergiram outros valores no final do século 20, como o ambientalismo, a sustentabilidade, a harmonia com a natureza, a pratica de esportes radicais, etc. O surfista é visto como um sujeito convencional que trabalha, estuda e consome, mas cultiva um estilo de vida alternativo, mas com hábitos saudáveis.
O mundo gira, os apelos mudam e o mercado se apropria das imagens de acordo com a conveniência. Mas muitos dos significados dados ao surf estão enraizados em valores antigos, visões de mundo que ora são tendência e outras perdem o apelo. O surf, muito além da imagem e do mercado, permanece como uma cultura beira-mar, independente e autêntica.
TEXTO DE REFERÊNCIA: Visão do Paraíso - Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda, 1959.