Relógio inteligente promete revolucionar Circuito Mundial em 2016
Novo equipamento levará em tempo real para o pulso dos competidores informações importantes como tempo de bateria e nota necessária para assumir a liderança.
25/Jan/2016 - globoesporte.com - Califórnia - Estados UnidosNo surfe de lazer, o praticante pode perder a hora no mar, à espera das ondas, em sintonia com a natureza. Mas quando o assunto é competição, o cenário se inverte. Cada segundo, cada ponto, cada onda pode significar a glória ou o fracasso. Ainda mais no Circuito Mundial, a elite da modalidade. Para auxiliar os surfistas e otimizar a competição, a Liga Mundial de Surfe (WSL, organizadora do Tour) trabalhou no desenvolvimento de um relógio inteligente, que tem como proposta levar em tempo real, diretamente para o pulso do atleta, informações cruciais, como minutos restantes de bateria e nota necessária para virar o placar.
A novidade, testada em 2015, será disponibilizada oficialmente neste ano. Ela estará acessível para os surfistas, treinadores ou ajudantes, além da equipe de resgate e dos juízes. O uso do equipamento em 2016 não será obrigatório. Em um campeonato atualmente dominado por astros como Adriano de Souza, Gabriel Medina e Filipe Toledo, outro brasileiro fora das águas foi responsável por liderar o projeto que promete mudar a forma como os atletas lidam com a competição: Mano Ziul, engenheiro de tecnologia da WSL há mais de duas décadas, é um dos idealizadores da novidade e ajudou no desenvolvimento do protótipo.
- Receber as informações em tempo real de forma tão prática vai fazer uma diferença fundamental na competição, na forma como o surfista vai interagir com a estratégia, com o técnico. Os competidores vão precisar repensar a forma de competir com o relógio, para não ficarem estressados com a rapidez da informação, porque afeta diretamente na estratégia dele na bateria. É igual quando você fica com o whatsapp e fica toda hora olhando. Será preciso saber lidar com a tecnologia - explicou Mano Ziul.
INFORMAÇÕES CONTIDAS NA TELA
O uso de relógios pelos surfistas dentro d'água não é novidade. Mas até então eles costumavam utilizar equipamentos comuns, na função cronômetro, para ter noção do tempo restante de bateria. Pouco se comparado à quantidade de informações possíveis no protótipo. Com tela de 5,8cm de altura por 3,7 de largura, o equipamento é ligado diretamente no sistema de pontuação do evento. Na parte de cima da tela, um cronômetro decrescente exibe quanto tempo falta para a bateria acabar (a bateria do evento, não do relógio!). No restante da tela, linhas horizontais, coloridas com a mesma cor da camisa dos atletas, mostram as informações de cada competidor. Elas são organizadas de acordo com a classificação da bateria. Na vertical, a primeira coluna exibe a nota mais alta de cada um, a do meio mostra a nota da última onda, e a da direita, quanto cada um precisa para assumir a liderança - ou aumentar a vantagem, no caso do líder. Além disso, o relógio também informa sobre prioridade de onda e possíveis punições, como interferência.
- Testamos com os surfistas diversas opções de informações na tela: maior onda, duas ondas, total de pontos, colocação, até chegarmos à versão final. Em um momento eles acharam que havia muita informação. “Não quero saber minha pontuação total, quero saber quanto preciso”, diziam - lembra Mano.
Jadson André, que vai para seu sexto ano na elite em 2016, gostou da ideia:
- Acho uma ideia incrível para os atletas, porque há eventos onde a onda quebra muito longe e é muito difícil de enxergar a placa de prioridade, às vezes o locutor come mosca e não fala a nota... Então você ter um relógio que é só você olhar e saber o que está acontecendo é importante. Tenho um exemplo. Na França, ano passado, vinha uma onda que tinha cara de nota 10. Eu achei que a prioridade não era minha e não fui na onda. Achei a ideia incrível. Não vejo a hora de competir usando o relógio.
Atualmente, tais informações são passadas aos competidores através do sistema de alto-falantes da locução do evento e de telões de LED instalados nas praias. O problema é que em alguns locais, a área onde as ondas quebram é muito longe da costa, como Margaret River, no CT, e Sunset, no QS, por exemplo. Alguns picos chegam a ficar a 500m de distância da areia. Além disso, mesmo quando a distância não é problema, fatores naturais, como vento e chuva, podem impedir os atletas de enxergar os telões ou ouvir as locuções. Tais dificuldades motivaram a antiga ASP, atual WSL, a procurar formas de facilitar a vida dos competidores:
- Uma vez em J-Bay, há uns quatro anos, o mar estava grande, ventava muito, chovia, e os surfistas não escutavam nada. E eles reclamavam que não conseguiam saber como estava a situação da bateria, não tinham a menor ideia do que estava acontecendo. Tentamos colocar um painel de LED, mas como era muito longe, não havia tamanho que ficasse visível. E as ondas estavam grandes, as vezes tapavam a visão. Quando acontece isso, eles ficam completamente desconectados do campeonato, voltam vinte anos no tempo, quando não existia sistema de pontuação.
FIM DA AULA DE MATEMÁTICA
De quebra, com o relógio, a WSL pretende também pôr fim a outra situação que a incomoda: as “aulas de matemática” nas areias. Atualmente, a locução oficial do evento divide-se em entreter o público e passar as informações aos atletas. O problema é que em determinados momentos, o excesso de números narrados acaba incomodando os torcedores presentes na praia:
- Antigamente era menor a quantidade de pessoas que iam acompanhar o campeonato e quase todos já entendiam da competição. Mas hoje em dia, esse público multiplicou por dez e nem todo mundo entende de surfe ou da competição e quer ir apenas para assistir e se divertir. Aí as pessoas chegam lá e parece que começa uma aula de matemática da Dona Cora, minha antiga professora, o locutor fica: “o surfista tal tem 3,5, precisa de 4,5, o outro de 7,7, e a prioridade é de um, faltam 20 minutos...”, não para nunca. Com a introdução do relógio, o locutor vai poder fazer o entretenimento e dar uma pincelada nas notas quando precisar, sem se preocupar. Sem precisar ficar perdendo tempo com aquelas ondinhas de notas irrelevantes que hoje em dia ele acaba sendo obrigado a falar - defende Mano.
O projeto começou a ser tocado há cerca de quatro anos. Na época, porém, ainda não existia os relógios com internet, chamados de “smartwatches”. Dentre as ideias iniciais, chegou a surgir a proposta de serem colocadas telas de LED, como um tablet, nas pranchas dos surfistas. Com o avanço da tecnologia - e a popularização da chamada “internet das coisas” - passar as informações através de um relógio começou a ser possível. E a ideia enfim engrenou com a chegada de uma multinacional de origem coreana, que se tornou patrocinadora master da WSL recentemente. A companhia comprou a ideia e desenvolveu, a partir de um de seus “smartwatches”, um protótipo exclusivo para a WSL para adequar o sistema às características peculiares da competição.
- Como sempre trabalhei com o sistema de pontuação da WSL, eu ficava pensando em como a gente poderia fazer as informações chegarem no surfista. Na época não havia relógios desse tipo, não existia nada que não precisasse de muita aparelhagem para fazer essa transmissão. Não dava para instalar uma antena na cabeça do surfista, ou colocar uma bateria pesada nas costas dele. Tivemos que esperar o avanço da tecnologia. Os equipamentos diminuíram e as baterias melhoraram. Começamos pensando em colocar um LCD na prancha. O problema é que se a prancha quebrar a tela que estaria presa nela vai embora. Tivemos várias ideias no meio do caminho, mas quando começou a moda do wearable (tecnologia vestível) passamos a focar em equipamentos no pulso ou no braços. Nos inspiramos também no snowboard. Há um tempo existem uns casacos de esquiadores que dão temperatura, velocidade, tem GPS - contou Mano.
MAIORES DIFICULDADES
Apesar de parecer simples, o caminho foi longo até chegarem a um protótipo adequado. Um dos principais obstáculos era a durabilidade. Não podia ser um relógio comum. Era preciso que o equipamento resistisse à água e às fortes quedas nas ondas, comuns no surfe. Só que o excesso de proteção atrapalhava a recepção do sinal. Como a quantidade de dados não é grande, a tecnologia de transferência de dados escolhida foi o 3G. Por falar em sinal, ele precisaria funcionar também submerso - para isso precisariam “driblar” a superfície da água, que reflete as ondas.
- Tem o problema da água do mar, por causa do sal, enferruja… A primeira vez que colocamos na água para testar a durabilidade foi no começo do ano passado, em Gold Coast… Quebrou na hora (risos). Não bastava ser à prova d’água, precisava ser à prova de mergulho, porque tem a pressão da onda... Mas era preciso encontrar um balanço entre a proteção e a transmissão. Porque quando se fechava muito o equipamento para não entrar água, ele não conseguia mais receber os dados. Tiveram conectar as antenas nas bordas, por exemplo.
- A intenção não é obrigar o cara a usar. É fornecer uma tecnologia tão boa, que dê uma vantagem tão boa, que ele vai querer usar. Obrigar não funciona. Se o cara não quiser, não vai usar. E até hoje tem gente que entra sem relógios comuns, para não ficar naquele estresse. Tem gente que tem como estratégia só pegar onda, pegar onda, pegar onda, sem pensar em nada.
RELÓGIO AJUDA MEDINA EM SUNSET
A prova real veio em novembro, durante a etapa de Sunset, válida pelo QS e pela Tríplice Coroa Havaiana. Quem usava o relógio não era Gabriel Medina, mas o caddy dele, profissional que fica dentro d’água com uma prancha reserva e também ajuda a orientar o surfista na melhor estratégia. No fim da bateria válida pela terceira fase do evento, o campeão de 2014 passou perto do caddy, que lhe repassou as informações contidas no relógio. Ciente de quanto precisava, Medina arriscou um floater nos segundos finais e conseguiu a classificação para as quartas de final.
- Agora que vimos que funciona, vamos partir para a próxima. Surgiu uma ideia de interação com técnico, mas tem uma parte que não quer. Por enquanto isso não vai ser permitido. O torcedor que tiver na praia poderia ter também um aplicativo mais simples em seu relógio. A aula de matemática iria para o pulso. A intenção não é fazer dinheiro. É servir o competidor e melhorar o campeonato para o público na praia. É mudar o jeito que a gente apresenta a competição para o surfista e para os torcedores - explicou Mano Ziul.
O Circuito Mundial de 2016 começa em Gold Coast, na Austrália, a partir do dia 10 de março.
* Colaborou Gabriel Fricke
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