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Brasil

O Trabalho, a Praia e o Ócio

Guilherme G. Pallerosi

A semana foi dividida entre dias úteis para o trabalho árduo e final de semana para relaxar, certo? Talvez não.

A maioria das pessoas condena a ideia de matar umas horas ou um dia de trabalho, aprendemos que não pega bem, não é “profissional”, atrapalha a rotina, a produtividade. Mas definitivamente não. 

Era uma terça feira com altas ondas no litoral e uma pilha de problemas na mesa, quando tive uma epifania.

Eu já conhecia a teoria do “ócio criativo”, tinha lido outros “caras” que também falavam sobre tendências no mercado de trabalho e qualidade de vida, mas em um dia dos mais difíceis resolvi colocar toda a teoria em pratica. A semana já iniciava cheia e tediosa e os colaboradores esperam soluções mágicas para problemas inerentes. Neste contexto recebo uma mensagem: bom swell, surfe de gala, estamos saindo agora, ultima chamada!

Mas vocês sabem que fugir do trabalho pega mal, prejudica a imagem, a rotina, a produtividade. Nossa mente adestrada sente muita culpa estas horas. Mas certas horas, o mais produtivo é jogar tudo para cima. Segui a intuição e fui.

Abandonei os problemas na cidade e parti para o litoral com dois camaradas. No caminho tentava entender o resquício de culpa, reflexo da nossa idolatria ao trabalho, como se fosse um templo sagrado e inviolável. O mantra quadrado das oito horas por dia, dos cinco dias por semana, das horas extras, o salário e o consumo desembestado.

Na estrada, a caminho das ondas, eu resolvia as coisas mais emergenciais ao telefone e a lógica começava a se inverter. Afinal, o transito congestionado eram pessoas a caminho do trabalho, no mesmo horário, todos os dias, para fazer coisas que bastavam um telefone ou um computador com internet. Mas quem se preocupa com qualidade de vida, o importante são às oito horas, os cinco dias, as horas extras, e consumir o tempo perdido na forma de mercadorias inúteis.

Enquanto entrava no mar já não havia culpa de abandonar a labuta diária, afinal, os problemas são meus, assim como o ócio. Sentado na prancha, o relógio marcava 11 horas e 15 minutos em ponto, quando deslizei morra abaixo a primeira onda da manhã, contente como uma criança no parque. De fato, anda difícil relaxar, os finais de semana são cheios de compromissos sociais e horários. Além disso, estamos cada vez mais on line, conectados, ao computador, celulares, assistindo TV, ouvindo radio, o fluxo de informações é contínuo, não paramos para ouvir nossos pensamentos.

Remava de volta para o out side cheio de adrenalina e dúvidas. As tecnologias que poderiam nos ajudar a ganhar tempo para nos dedicarmos ao ócio, acabam nos consumindo. Será que se eu tivesse com um celular a prova de água, estaria lendo jornal ou preocupado com a previsão do tempo que ia mudar? Mas não, o ócio é a arte de viver o momento e sentir prazer consigo mesmo.

Definitivamente perdemos a inteligência, veja bem, na hora de relaxar e dedicar-se às coisas realmente interessantes ficamos presos aos brinquedinhos eletrônicos e programas de TV. As pessoas que criminalizam a maconha deviam se concentrar nos vícios realmente graves, como a dependência de redes sociais, os aplicativos inúteis de celular, joguinhos imbecis, televisão burra, machismo, preconceito, refrigerante, Ajinomoto e gordura hidrogenada.

A tarde caia, o sol se punha e as ondas só melhoravam. Meus braços já estavam cansados, mas a mente estava sã. Enquanto remava para minha ultima onda percebi que havia ponderado todos os problemas daquela manhã e nenhum era realmente grave. Colocamos muita expectativa nas coisas, mas os bons trabalhos levam tempo, boas ideias pedem calma.

É estranho sermos tão cobrados pela criatividade, por soluções inovadoras, por desenvolver bons conteúdos, se não temos momentos de puro ócio. Como ser criativo e ter boas ideias na labuta maçante do trabalho, recebendo informações inúteis e infindáveis? Tudo ficou lúcido naquele momento, de fato vivemos um tempo de conflitos entre um modelo obsoleto e ideias novas e transformadoras. Mas para romper com as velhas condutas não é fácil, tem que seguir a intuição e jogar tudo para o ar.

Foi uma terça feira memorável. Aquele swell trouxe boas ondas e a semana foi produtiva como poucas.

Para saber mais sobre o ócio vai umas dicas de leitura:

· O Ócio Criativo (entrevista com Domenico De Masi)

· A experiência do ócio na sociedade hipermoderna

Até a próxima,

Guilherme G. Pallerosi

Sociólogo, surfista e editor do blog Madeira & Água.

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