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Letícia: inspiração no bodysurf, paixão pelo esporte e pela natureza

A Letícia é inspiração no bodysurf pra várias pessoas no Brasil e conta pra nós, em homenagem ao mês das mulheres, quais são suas maiores motivações no mar e como ela quer incentivar mais mulheres a ir pra água.

08/Mar/2021 - Letícia Parada - Brasil

Nesse mês das mulheres, vamos compartilhar com a nossa comunidade um pouquinho sobre a história de algumas mulheres que inspiram outras a se jogar no mar. Vem conferir um pouco da história da Letícia!

- Quem é você? 

Meu nome é Letícia e meu sobrenome é Parada. Desde criança muita gente só me chama de Parada ou Paradinha. Eu sou profissional de Educação Física e mestre em Ecologia, áreas que me levam à duas paixões, o esporte e a natureza. Desde 2014 falo sobre bodysurf na internet, principalmente no Instagram. E em 2019, incentivado pelo meu primo, criei o meu canal de bodysurf e handsurf: Ela No Mar. Dei esse nome por acreditar na missão de ser uma mulher no mar e querer mais outras comigo nesse ambiente espetacular. Meu canal é o primeiro e único desse segmento feito por uma mulher.

E mal tinha começado meu canal quando recebi inesperadamente um email de aprovação ao programa de voluntariado do ICMBio para trabalhar no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, algo que eu tentava desde 2016. Fui para Noronha e morei lá em 2019, quando conheci pessoalmente várias pessoas com quem tinha amizade por causa do mar como Maíra Kellermann, Michele Roth, Henrique Pistilli… Foi uma experiência tão espetacular que até hoje me abre caminhos profissionais, tanto como criadora de conteúdo como em projetos relacionados ao esporte e a problemática do lixo marinho.

- Como é a sua relação com o mar hoje? Como ela começou?

Minha relação no mar teve muita influência do meu pai. Não morávamos perto da praia, morávamos na área continental do litoral de São Paulo. Mas quando íamos à praia nos finais de semana, feriados ou férias, meu pai pegava onda com o próprio corpo, sem nem mesmo o auxílio de nadadeira. Isso me deixava impressionada, intrigada e com interesse em saber como ele fazia isso. Anos depois fui fazer estágio na escola de surf da prefeitura e comecei a surfar de prancha, uma fun 7'4. Na faculdade tive aula de bodyboarding, me apaixonei muito e comprei a minha própria prancha. Depois dei de presente uma handplane (prancha de mão) para um amigo que surfava comigo. E quando testei aquela handplane pela primeira vez, foi amor já na primeira onda. Comecei a ir muito para o mar cada vez mais leve, ou seja, só com nadadeira ou com nadadeira e handplane.

imagem subaqatica de uma mulher frando ondaFoto: Maíra Kellerman

 

- Qual foi o maior perrengue que você já passou no mar?

Tive três momentos que me deixaram preocupada no mar. Um deles aconteceu quando fui nadar. O mar estava flat e decidi aproveitar para nadar à tarde. Passei pelo professor de surf da escolinha da prefeitura, com quem já tinha feito estágio e que se tornou amigo. Nos cumprimentamos e eu fui nadar. Em questão de minutos nadando, senti algo passando pelo meu pescoço, parecia que tinham jogado uma panela de óleo fervendo em mim. Instintivamente, sem raciocinar, passei a mão porque pensei que havia alguma coisa presa ali em mim. Sem ninguém no mar para ajudar, nadei em direção à praia e saí do mar. Encontrei meu amigo professor de surf e contei rapidamente o que tinha acontecido, me sentindo muito cansada, como se tivesse nadado por horas. Ele disse que podia ser água viva ou caravela, tinha um vergão no meu pescoço. Me chamou para ir até a escola para passar vinagre e pedir atendimento dos bombeiros caso não melhorasse. Dei 6 passos e não consegui andar mais. Caí no chão e ali fiquei de bruços aguardando a URSA (Unidade de Resgate e Salvamento Aquático). Não tinha movimento nenhum, sentia muita dor na coluna. A sensação era a de que tinha saltado de um pico muito alto e caído com tudo em uma pedra. Depois fui para o hospital e tudo se resolveu.

Outro perrengue foi na praia Brava, em Floripa. Eu estava surfando de bodysurf com meu pai. Ele pegou a primeira da série e eu fui na de trás. Peguei a esquerda longa e fui indo com ela... até que "morri" no tubo e tomei um bom gole d'água. Quando me levantei pra respirar, eu não conseguia. Eu inspirava, mas não conseguia expirar. Só conseguia trazer o ar pra dentro. Não conseguia expulsar. Foi sinistro porque não pude respirar. Eu cheguei a sinalizar para o meu pai, mas ele ficou sem entender porque nem falar eu conseguia. Durou alguns segundos até que por instinto eu forcei o abdômen e consegui expirar. Foi bizarro e depois contei sobre isso para uma amiga que é médica. Ela explicou que isso acontecia porque era como se fosse uma manobra de proteção que o organismo fazia quando algum corpo estranho tentava adentrar. Não me lembro com detalhes dessa explicação porque isso foi anos atrás, mas fiquei agoniada com a sensação de não ser capaz de respirar. 

A outra situação que passei me fez achar que tinha lesionado alguma vértebra. Eu estava surfando na Cacimba do Padre de bodysurf e vinha numa esquerda com tamanho bom, mas que ia resultar numa fechadeira. Mesmo assim fui com tudo, botei pra baixo e achei que fosse dar tempo de correr um pouco mais para fazer a saída por dentro da onda. Mas não deu. A onda me agarrou pela nadadeira e arremessou pra frente. Minha coluna dobrou, as pernas foram por cima da cabeça. Eu senti uma dor e ouvi um estalo bizarro na coluna. Fiquei com medo de ter me lesionado pra valer, mas não passou de um caldo que serviu de alerta.

- Qual é a sua melhor lembrança dentro da água?

O tubo que fiz na Cacimba certamente é um deles… Tudo rodava e eu não conseguia enxergar perfeitamente, mas achei a luz no fim do túnel e saí no bafo. Mas na real, a melhor lembrança é a última queda que fiz, isso foi há uns dois dias atrás. Ter a oportunidade de estar no mar, fazendo o que amo, já é uma lembrança maravilhosa.

mulher pegando onda de bodysurf

- Quais foram seus maiores aprendizados?

Com o mar passei a entender que nem sempre temos o controle de tudo. Você não tem o poder de fazer com que as coisas aconteçam perfeitamente no tempo que você quer. O mar é isso. Nem sempre vem a onda perfeita, nem sempre você vai pegar aquele tubo. É preciso que haja uma combinação de variáveis como o vento, a ondulação, a maré, o período… É preciso ter paciência. E se não vier a onda perfeita, o diamante do dia, eu surfo a onda que vier da melhor forma possível que você puder. Seja positivo, saiba aguardar e agradeça por cada segundo no mar.

- Qual o seu próximo desafio? Objetivo?

Desde que eu surfo costumo ser a única mulher no pico, difícil achar até as mulheres com prancha. E se for estreitar essa análise pensando só em bodysurf ou handsurf, eu de fato sou a única pessoa fazendo isso no meu próprio homebreak, nem os homens fazem. Tanto que isso sempre acaba chamando a atenção dos caras, que costumam se aproximar para me fazer perguntas sobre o esporte ou ver a handplane que estou usando. Então um desafio grande é trazer as mulheres para o mar, mostrar para elas que elas são capazes de estarem nele como eu estou. Diariamente eu recebo mensagens no YouTube e no Instagram de pessoas me dizendo que eu sou inspiração para elas estarem no mar, que a relação que tenho com as ondas é muito bonita e que meus conteúdos ajudam muito a evoluir no esporte. Geralmente essas mensagens são de homens, então eu quero encorajar mais mulheres a se jogarem comigo e estarem no mar, seja surfando ou não.

Outro desafio que estou vivendo é a busca pela evolução no handsurf de Alagoas, uma modalidade única no mundo e de berço alagoano. Para quem não sabe, o handsurf de Alagoas é o mix de manobras do surf, bodysurf e bodyboard. No momento estou treinando muito a rasgada e a batida. Diferente do bodysurf, no handsurf você usa uma prancha, chamada de “palmar” que lembra muito a miniatura de uma prancha de surf. Vi essa modalidade anos atrás na internet, mas só no final de dezembro de 2019 à convite dos próprios criadores desse esporte, pude conhecer pessoalmente lá na praia do Francês. Mas em 2020 com as praias fechadas em decorrência da pandemia não pude treinar pra valer. Esse ano estou vindo com força, quero muito me desenvolver no handsurf de Alagoas, modalidade que é dominada massivamente pelos homens. Então vai ser legal para quebrar padrões até sob essa ótica.

 

- O que diria para uma mulher que está começando a se conectar com o mar?

Sinta o mar e deixe o mar sentir que você quer estar nele. Vá sem medo, sem pensar na possibilidade a ou b. Seja com prancha de surf, bodyboard, stand up ou até mesmo sem prancha, apenas vá. Se jogue e aproveite esse ambiente tão acolhedor que não impede a entrada de ninguém, independente das diferenças sociais e econômicas, o mar está para todos que o buscam.