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Entrevista com Miguel Pupo

Miguel Pupo tem 32 anos, 26º colocado no ranking da WSL (World Surf League, em tradução Liga Mundial de Surfe). Crescido em Maresias, litoral de São Paulo, é conhecido por vir de uma família de surfistas.

16/Out/2024 - Bianca Baptista

Você realizou uma cirurgia no tornozelo no ano passado. Como tem sido sua recuperação pós? E no caso da preparação física, mudou? 

A recuperação é um processo lento, onde exige muita paciência e a gente sempre fica ansioso para voltar para o mar o quanto antes.  Mas ao mesmo tempo eu estava em casa, com as minhas filhas. Com isso, eu tentei aproveitar ao máximo esses momentos com elas fora do mar. Procurei me divertir durante esse processo para que não ficasse chato ou maçante, então consegui aproveitar bastante.  Foram quatro meses e meio fora do mar, em que pude aproveitar com elas, conhecer melhor meu corpo, mudei minha dieta obviamente para não ganhar muito peso durante a recuperação, já que eu não estava praticando nenhum esporte e não tinha muito como queimar nesse período. Acho que foi algo válido que aconteceu na minha vida e sem dúvida foi algo que me ensinou bastante, apesar de já ser experiente e de estar no circuito há muito tempo. Mas sempre tem algo novo para aprender, a ter paciência no processo de recuperação, de ganhar mobilidade um pouquinho a cada dia. É um processo doloroso, mas ao mesmo tempo soube tornar um pouco mais divertido a minha volta.

Há diferença na preparação física quando está no Brasil e no exterior? Como elas são?

A preparação física segue a mesma e por isso que minha carreira tem durado tanto tempo. Mas claro, hoje com a idade que eu tenho com 32, não tenho mais aquela energia de menino, de quando tinha 18 anos. Então a gente aprende a priorizar mais o treino, não exige tanto do corpo, já que o gás não está tão lá em cima. Mas continuo treinando forte, administrando tempo entre o surf, o treino na academia de forma que não acumule cansaço também e não prejudique na competição. Mas durante a pré-temporada ou entre eventos, eu treino bem e priorizo mais o treino na academia do que no surfei. E quando começa a chegar mais perto da competição, a prioridade passa a ser o surfe e não tanto treino físico. Até porque é na água que a gente tem que mostrar o nosso melhor, então sempre trabalho nesses tempos e para chegar bem nos eventos e mostrar o melhor.

Tudo depende do período que a gente está entre eventos e quanto tempo que eu vou ficar fora. Por exemplo, se estou em casa agora há um mês, depois eu vou para Portugal e é só um evento, então faço toda a preparação física agora. E quando eu chego, lá eu foco só no evento, no teste de prancha, surfar em todas as marés, em todos os lugares que vai acontecer o campeonato. E quando eu vou para a Austrália, por exemplo, se são três eventos, e ficar por lá 40, 50 dias aí eu levo uma planilha de treinos, para quando não tiver onda ou quando vai ficar muitos dias sem campeonato, para manter o corpo ativo.  Tudo depende do mar, ele que dita esse ritmo e o que vai acontecer na minha vida. Outro exemplo, se tem muita onda também, a gente acaba não treinando na academia, e se dedica só ao surfe porque ele cansa bastante e às vezes se tem uma onda muito longa que rema demais, a gente treina mais perna do que braço, porque o braço já está cansado Dessa forma, eu trabalho em cima do lugar específico,  ou das aulas está surfando e também de como está a previsão das ondas. Então não há tanta diferenciação se é no exterior  ou no Brasil, mas sempre está ligado no que está acontecendo nas previsões das ondas e do swell.

E qual o local que você mais gosta de surfar? E qual que mais gosta de competir?

O local que eu mais gosto de surfar é em Maresias, lugar que eu cresci. Minha infância foi por aqui, onde vivi meus melhores momentos com criança, então você tem esse apego emocional ao local. É um lugar que dá altas ondas e geralmente não tem ninguém, então durante a semana eu subo sozinho. E se for para competir, com certeza eu prefiro ou Pipeline [Havaí] ou Teahupoo [no Tahiti] por serem locais com ondas desafiadoras e geralmente no freesurf tem muito crowd e não dá para pegar muita onda. Então eu gosto de competir nesses lugares, isso é garantido que não vai ter ninguém na água e vai ser só eu mas uma pessoa. E hoje em dia com prioridade na bateria é só esperar, escolher uma boa onda e ser feliz

Há algum tipo de monitoramento especial que você faz das praias/maré para treinar? Como funciona normalmente?

Estou sempre acompanhando o swell, das novas ondulações que estão vindo, sempre acompanho durante a semana o que vai acontecer, a direção do swell, as tábuas de maré, as praias que ficam melhor com a maré alta, com a maré baixa. Então isso está sempre dentro do meu planejamento, assim como o horários dos ventos também e geralmente quem surfa profissionalmente está sempre ligado nas condições de vento, nebulosidade, direção do swell, das tábuas de maré e de todas essas vertentes do surf. Temos que estar de olho para poder surfar no melhor horário, ou encontrar a melhor bancada e poder surfar bem e estar bem treinado para os eventos.

É possível ver pelas suas mídias sociais que quando está no Brasil tenta incluir seus filhos dentro do possível na rotina de preparação. Como normalmente é isso? E como é a rotina que você tenta manter com eles e familiares enquanto está no Brasil e fora?

Como atleta profissional, eu passo a maior parte do tempo me dedicando ao esporte. Então eu tento incluí-las ao máximo na minha rotina, nos meus treinos, na minha fisioterapia. Elas estão sempre comigo, porque o tempo é um jeito de eu aproveitar e estar com elas, já que a maioria do tempo eu estou fazendo alguma coisa dedicada ao esporte. Elas também aprendem que existe uma dedicação, que o papai não está só dentro da água e que há um trabalho por trás. E ao mesmo tempo elas gostam bastante de estar comigo, a minha equipe também são pessoas do bem, uma grande família e tudo isso cria um ambiente muito bom, e isso é muito importante para um atleta também.

Tudo depende do mar e minha esposa [eles já estão juntos há quase 10 anos] sabe que quando a maré/swell está boa, eu posso ficar por muitas horas surfando. Quando não tem onda, ela sabe que eu vou ficar mais em casa, vou só pra academia, fisioterapia. Então ela já sabe quem dita o ritmo, é oceano, então é tudo baseado nisso.  E fora do país, depende dos horários.  Por exemplo na Austrália, é praticamente 12h de diferença, então quando no Brasil é dia, lá é de noite, então nos falamos menos e às vezes ela não consegue assistir aos eventos, porque tem que dormir para cuidar da minha família e levamos isso numa maneira bem leve, bem tranquilo. E eu sei que quando tiver a oportunidade delas estarem comigo na viagem elas vão, e quando eu não tenho, também está tranquilo porque eu sei que as meninas estão em boas mãos com a minha esposa que é uma grande mãe.

E quando vai participar de campeonatos, quais aspectos você mais se atenta? Equipamento? Exercícios? Técnica? Saúde mental?

Quando vou para um evento, competição, primeiro presto atenção primeiro no equipamento, testo todas as pranchas e ver qual equipamento é melhor para a condição do mar. Em seguida, vem o exercício, mas como me planejo bem, geralmente eu treino bem antes dos eventos e chego bem fisicamente. E técnica e saúde mental, tudo está relacionado. Acredito muito nos treinos pré-evento, então se você vem de uma boa rotina em casa, se está acordando cedo, se alimentando bem, estou feliz com a minha família, com o surfe no dia a dia, isso reflete nas semanas seguintes. Então eu sempre tento priorizar o pré-evento, porque sei que o evento será só uma consequência do que eu já venho fazendo. Mas é importante estar feliz, bem. Acho que o bom de trabalhar com o que você vai ama, facilita muito as coisas, independente estar competindo ou não, eu gosto de estar surfando com meus amigos e isso me deixa muito feliz e reflete em todos os outros aspectos na profissão.

E há alguns anos você participa de competições com o seu irmão, Samuel. Como é competir com ele? Vocês também treinam juntos? Dão dicas um para o outro? Afinal vocês cresceram nesse ambiente do surfe..

Para mim é sempre muito bom ter meu irmão no circuito. Um rosto familiar por perto, porque essa vida na estrada não é fácil e na maior parte das vezes estou sozinho, porque viajar com três crianças e a esposa tem um custo alto e é bem desgastante.  E ter ele por perto é muito melhor, porque é alguém que você confia, que você acredita e você ama. Sempre trocamos, damos dicas um para o outro e já competimos um contra o outro,  estivemos juntos em uma bateria de quatro. E sempre falo que eu sou muito grato pelo que eu vivi, tive a oportunidade de competir com meu pai e agora com meu irmão. E só eu tive essa experiência, porque meu pai já se aposentou e infelizmente meu irmão não teve essa oportunidade. E sou muito grato por ter toda a família no esporte.

Pensando nisso, você acha que suas filhas podem seguir seus passos? O que você diria para elas?

Não sei se elas vão querer surfar, não pressiono elas a nada. Elas gostam muito de esporte, a mais velha tem um lado mais artístico, gosta de desenhar, vai bem também, já a minha filha do meio, a Serena, tem cinco anos e gosta mais de atividades físicas, gosta de correr e pular. Talvez ainda seja cedo para dizer, mas ela pode ser alguém que vá gostar do surfe ou outros esportes parecidos. E a mais nova tem dois anos e é uma mistura das outras duas, gosta de tudo um pouco, mas é tudo muito cedo. Sempre quando estou em casa, tento levá-las para a praia, elas gostam bastante, não tem medo do mar, o que já é um primeiro passo e ultimamente elas têm gostado muito de tênis, tem jogado alguns dias. Vamos ver o que vai acontecer.