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Brasil

El Niño causa Avalanche no Brasil?

Leandro Bonesi

Saiba porque oscilações climáticas como o El Niño podem afetar o clima, o regime de ondas e até a Avalanche no Brasil

O clima do planeta é interconectado. Eventos climáticos que ocorrem a meio mundo daqui, como no Oceano Pacífico, ou no Oceano Antártico, influenciam o clima no Brasil. Esses eventos podem intensificar as secas do Nordeste, os ciclones no Sul, as queimadas no Centro-Oeste, as altas temperaturas no Sudeste ou as estiagens na Região Norte, além do regime de ondas em toda a costa brasileira. Alguns desses eventos climáticos são cíclicos, ou seja, são oscilações em torno de uma média, e são bastante conhecidos, como é o caso do El Niño e La Niña. Outras nem tanto, como por exemplo a Oscilação Decadal do Pacífico ou a Oscilação Antártica. Em todos os casos o padrão de ventos sobre o Oceano Atlântico pode ser alterado, mudando o regime de ondas no Brasil.

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El Niño e La Niña

O El Niño é talvez a oscilação climática mais famosa do mundo. Tem até nome próprio. O termo comumente utilizado entre os cientistas, no entanto, é El Niño Oscilação Sul, para incluir na designação sua fase negativa, a La Niña. Trata-se de uma oscilação persistente (por mais de cinco meses) na temperatura média da superfície do mar acima de 0,5º C, ocorrida na região Equatorial do Oceano Pacífico. Águas superficiais mais quentes geram o El Niño; mais frias, La Niña. As consequências imediatas são alterações no padrão de ventos e de chuvas daquele oceano, pois águas quentes evaporam mais que águas frias, e se tem mais vapor de água na atmosfera, tem mais chuva.

Esquema de distribuição de anomalia de temperatura e formação de nuvens durante eventos de El Niño e La Niña no Oceano Pacífico.  Fonte: https://www.climate.gov/enso

Efeitos dessa famosa oscilação são percebidos por todo o globo. No Brasil ocorre intensificação das secas no Nordeste, diminuição das chuvas no Norte e aumento da temperatura e das chuvas no Sudeste e Sul. Durante a La Niña, a fase negativa da oscilação, quando as temperaturas da superfície do mar na região equatorial do Oceano Pacífico estão abaixo da média, os efeitos são opostos. Isso se deve porque o padrão de ventos global é alterado entre as fases positiva, negativa e neutra (quando não há anomalia da temperatura).

Durante os eventos de El Niño as frentes frias são fortalecidas, possivelmente causadas por jatos polares mais potentes. Nesse artigo, você entenderá melhor como funciona a geração das frentes frias e de ondas. Quando isso ocorre há uma tendência dessas frentes se deslocarem mais ao norte além das regiões subtropicais, com isso há uma maior geração de ondas que atingem toda a costa sul, sudeste, e parte da região nordeste. É o swell de sul após uma tempestade. Já em períodos de La Niña, esses jatos polares são enfraquecidos e as frentes ficam restritas às regiões subtropicais, diminuindo a altura das ondas que atingem a costa brasileira. Nesse artigo os autores identificaram uma correlação positiva entre a força do El Niño e a altura e período de ondas nessas regiões e correlação negativa com La Niña. 

A costa Norte e Nordeste, compreendendo os estados entre o Amapá e o Rio Grande do Norte não recebe essa influência porque é voltada para o Oceano Atlântico Norte. No entanto, essa costa é influenciada pelas tempestades que ocorrem no hemisfério norte e, por consequência, as ondas geradas nesse oceano que irão alcançar a costa norte. Durante os eventos de La Niña há uma tendência de aumento dessas tempestades, e portanto, aumento da altura e período de ondas. É o swell de norte que chega na costa. Em contraponto o El Niño tende a diminuir a força das tempestades no hemisfério norte, diminuindo a geração de ondas que irão atingir a costa norte brasileira.

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Oscilação Decadal do Pacífico

Certamente menos famosa que o El Niño, ao menos para nós habitantes da costa atlântica, a Oscilação Decadal do Pacífico possui um padrão recorrente de variabilidade da temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico Norte oscilando entre mais frio que a média no oeste e mais quente no leste durante sua fase positiva e o oposto na fase negativa em um período que varia de alguns anos a décadas. Quando na fase negativa, há uma tendência de aumento da atividade ciclônica na Antártica e enfraquecimento de anticiclones nas latitudes subtropicais, promovendo o aumento da altura e período de ondas no Oceano Atlântico Sul. Não fiquemos tão animados, o aumento das ondas está na casa das dezenas de centímetros. Mas em terra de mar flat, quem pega meio metrinho é rei.

Oscilação Decadal do Pacífico durante a fase positiva. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/

Oscilação Antártica

A Oscilação Antártica nada mais é que a variação da pressão atmosférica média sobre o continente antártico e regiões adjacentes, como a Nova Zelândia, Sul da Austrália e Cone Sul americano. Durante a fase positiva desse evento há uma anomalia negativa da pressão atmosférica no continente congelado e positiva nas regiões subantárticas; na fase negativa ocorre o oposto. O resultado é uma correlação positiva entre essa oscilação e a altura de ondas na costa brasileira durante o verão. No inverno, quando as tempestades naturalmente avançam mais ao norte, os efeitos são mínimos.

Anomalias da pressão atmosférica ao nível do mar durante as fases positiva e negativa da Oscilação Antártica. Fonte: https://sciencepost.fr/

Avalanche no Brasil? Tem certeza?

Até aqui entendemos a relação entre as oscilações climáticas e o regime de ondas no Brasil, mas como assim Avalanche? Esse é o nome dado a uma onda que ficou famosa recentemente após ter sido surfada por ninguém menos que Carlos Burle em 2017 e, mais recentemente por Ian Cosenza, em 2021. Ela já é conhecida pelos locais há mais tempo, mas somente nos últimos anos que está entrando no calendários das ondas gigantes.

Ian Vaz surfando a Avalanche. Fonte: https://marsemfim.com.br/

Localizada há cerca de quatro quilômetros da costa da cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, a Avalanche possui uma formação de laje de granito, que começa a uma profundidade de cerca de 20 metros, mas numa curta distância atinge menos de 4 metros, proporcionando uma grande inclinação no fundo marinho, dando a essa bancada uma geometria favorável à formação de ondas grandes. Diferentemente, as ondas que chegam na costa vão sentindo o fundo por uma distância muito maior porque há uma pequena declividade e isso faz com que a onda perca energia e diminua de tamanho. No caso da Avalanche a grande declividade não deixa a onda sentir o fundo e chega na zona de arrebentação muito maior e com mais energia. Quando um swell proveniente de sudeste atinge a costa, essa onda pode chegar facilmente a 7 metros de altura. Ela está sendo considerada uma das maiores ondas do Brasil.

Carta náutica 1401, indicando a posição da laje da Avalanche e a comparação entre a profundidade de 20 m até a zona de arrebentação na laje e na costa. Fonte: https://www.marinha.mil.br/

Como o El Niño proporciona o deslocamento das tempestades além das regiões subtropicais causando o swell de sudeste, a Avalanche pode ser favorecida pelas ondas geradas nessas tempestades. Então no próximo swell, você já sabe seu destino de ondas grandes. E se for durante um evento de El Niño, a chance de um mar clássico e de satisfação é ainda maior.

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Leandro Bonesi é Oceanógrafo, Mestre em Oceanografia Biológica e Doutorando em Oceanografia Ambiental. Atua como Gerente em uma empresa de consultoria ambiental e está nesse mercado desde 2007 tentando entender como o ser humano impacta o meio ambiente marinho. É também mergulhador credenciado PADI, fotógrafo subaquático e colecionador de momentos inesquecíveis no mar e na natureza.

Instagram: @lbonesi

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