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Brasil

Como diminuir seu impacto sobre as mudanças climáticas

Leandro Bonesi

Entenda porque o aquecimento global é a maior provação que a humanidade irá enfrentar e que atitudes podemos ter para diminuir seus efeitos

O que a guerra na Síria, o “Brexit” (saída do Reino Unido da União Europeia) e as enchentes de 2021/2022 em vários estados brasileiros têm em comum? Em todos os casos, o aquecimento global antrópico teve papel relevante nos acontecimentos que levaram a esses eventos. Mas se ele é antrópico, ou seja, causado pelo ser humano, como podemos contribuir para diminuir seus efeitos? Antes de tudo, vamos entender o que é o aquecimento global e quais são seus efeitos.

O que é o aquecimento global antrópico?

O aquecimento global antrópico é o aumento da temperatura média global causado pela emissão de gases do efeito estufa, como o gás carbônico (CO2) e metano (CH4), a partir de atividades humanas. Esses gases compõem naturalmente nossa atmosfera, mas em quantidades muito reduzidas. O CO2 representa 0,04 % do volume total da atmosfera terrestre, mas é responsável pelo clima ameno e aproximadamente constante e estável do planeta.

Os gases estufa permitem a passagem de radiação solar pela atmosfera que chega na superfície terrestre, mas impede que o calor da Terra seja dissipado para o espaço, assim como um cobertor mantém nosso calor na cama em um dia frio, ou como um carro fechado durante o sol de verão que fica muito mais quente dentro do que fora dele. A lua, que não tem atmosfera, pode sofrer variações diárias de temperatura na superfície entre -153° C  e 123° C. 

Efeito estufa. Ilustração: Daulon. Fonte: Shutterstock.com

Por maiores que sejam as variações de temperatura na Terra, a maior variação foi registrada em 1972, no estado de Montana (EUA), quando a temperatura variou entre 57,2° C num período de 24 horas. Com o aumento das emissões de gás carbônico, aumenta-se a quantidade de calor aprisionado na atmosfera que seria dissipado para o espaço gerando um desequilíbrio térmico, que é o aquecimento global antrópico.

Então por que a emissão desses gases é ruim? A resposta é Vênus, nosso planeta vizinho. A atmosfera daquele planeta tem 96,5% de CO2 em sua composição e por isso a temperatura na superfície é de cerca de 480°C. A pressão atmosférica de Vênus corresponde a 92 vezes a pressão da atmosfera terrestre no nível do mar. Lá a escolha é entre ser assado ou esmagado. É um ambiente extremo que torna a vida na superfície inviável.

Mas, muito antes de chegar nessas condições, a Terra pode se tornar inabitável, ao menos para nós seres humanos. Segundo o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), atualmente a temperatura média global subiu 1,2ºC desde a revolução industrial e já é suficiente para sentirmos seus efeitos.

Quais são os efeitos do aquecimento global?

O primeiro efeito do aumento da temperatura média global é a alteração do ciclo da água. O ciclo da água ou ciclo hidrológico é o caminho que a água faz entre a atmosfera e a superfície da Terra. O Sol promove a evaporação das águas dos oceanos e solos e evapotranspiração da água nas folhas das plantas. O vapor de água acumula na atmosfera, esfria e condensa em forma de gotículas de água a medida que atinge maiores altitudes formando as nuvens, até determinado momento que precipita em forma de chuva, neve ou granizo. A água precipitada irá atingir a superfície terrestre, infiltrando no solo, formando os rios que deságuam a água nos oceanos, ou sendo absorvido pelas plantas, fechando o ciclo.

Com o aumento da temperatura média global, a atmosfera tem capacidade de armazenar mais vapor de água, alterando e intensificando o ciclo hidrológico. As taxas de evaporação e evapotranspiração aumentam podendo causar secas mais prolongadas e mais intensas. Os solos perdem umidade mais facilmente causando rápido aumento da temperatura local, gerando ondas de calor mais intensas e prolongadas. Incêndios florestais se tornam mais frequentes em função das secas.

Mas como a Guerra na Síria foi influenciada pelas mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global? Quem defende essa posição são os autores Sarah Jonhstone e Jeffrey Mazo em um artigo publicado em 2011, na revista Survival. Nos anos de 2009 e 2010 uma seca extrema atingiu várias partes do mundo, como no Canadá, no leste europeu, na Rússia e no Oriente Médio. A produção de trigo despencou nessas regiões, que são as maiores produtoras da commodity, o preço do produto escalou e países não produtores, como o Egito, a Síria, entre outros países árabes, se viram em escassez. A fome nesses países aumentou e a população se revoltou com o movimento chamado Primavera Árabe em 2011. No Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen os governos foram derrubados. O governo sírio resistiu dando início a uma guerra civil que dura até os dias atuais (2022). A população síria, fugindo da guerra, começou a emigrar com destino principalmente à Europa. Um sentimento de nacionalismo e xenofobia se instalou nesse continente, a população inglesa se sentiu ameaçada pela abertura das fronteiras com o resto da Europa e a partir daí surgiu uma demanda crescente de sair da União Europeia, culminando no “Brexit”.

O aquecimento global também aumenta a frequência de eventos climáticos e meteorológicos extremos, como tempestades, inundações, furacões e nevascas. O aumento da temperatura média global permite que a atmosfera fique muito mais carregada de vapor de água, precipitando de forma muito mais intensa se comparado ao período pré-industrial. Foi o que ocorreu no sul da Bahia, Minas Gerais, Petrópolis, dentre outros locais do Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Ilhéus, por exemplo, choveu no dia de natal de 2021 (136 mm) quase a quantidade para todo o mês de dezembro (138 mm). Já em Petrópolis choveu mais em 6 horas (260 mm) no dia 15/02/2022, do que o esperado para todo o mês de fevereiro (240 mm).

A intensidade e volume históricos em um curto espaço de tempo associado ao desmatamento, sem as florestas para diminuir a velocidade e quantidade de água que atinge diretamente o solo, faz com que a água escoe pela superfície. Quando se associa descaso ambiental e social, a tragédia é anunciada. Mais de 300 pessoas perderam a vida e outras milhares ficaram desabrigadas com as chuvas extremas ocorridas entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022.

Todas essas tragédias já estão acontecendo com uma temperatura média global 1,2°C acima da média no período pré-industrial. Agora imaginem 2°C acima da média nos próximos 30 anos, ou 4ºC nos próximos 80 anos? No mínimo é de se pensar em um mundo distópico numa mistura de Elysium e Mad Max. Os cientistas pensaram nesses cenários, como apresentado no relatório do IPCC. Hoje, a chance de ocorrer uma seca extrema como a que desencadeou a queda da produção mundial de trigo nos anos de 2009 e 2010 é 1,7 vezes maior que a média do período de 1850-1900.

Prevendo um cenário de aumento na temperatura em 4°C, a probabilidade de ocorrer eventos assim sobe para 4,1 vezes. Ondas de calor, como a ocorrida em 2015 na Índia e no Paquistão que morreram 4000 pessoas, serão 9,4 vezes mais frequentes e 5,1ºC mais quentes que no período pré-industrial.

Diante de uma montanha de informação coletada por diferentes cientistas ao redor do mundo utilizando diferentes métodos, as evidências apontam todas para o mesmo lado. O aquecimento global é real, em decorrência das emissões cada vez maiores de gases do efeito estufa desde a revolução industrial e já causa mudanças climáticas. A solução para manter o impacto dentro dos níveis atuais seria cessar totalmente a emissão de gases do efeito estufa. Para reverter, seria necessário retirar o gás carbônico da atmosfera. Como contribuir?

Hábitos que podemos mudar para diminuir o aquecimento global

Pesquisadores da Universidade de Lund na Suécia publicaram em 2017 um artigo que ranqueou 148 comportamentos individuais (desde ter animais de estimação, ter carro a lavar roupa com água quente) e as emissões associadas a eles, indicando os quatro comportamentos mais importantes em termos de emissões de gás carbônico. São eles: ter uma dieta a base de plantas, evitar viagens de avião, não ter carro e ter menos filhos (ou não tê-los).

Escolhas pessoais para reduzir sua contribuição para as mudanças climáticas. Fonte: traduzido e adaptado de Seth & Kimberly, 2017, Environmnetal Research Letters.

1. Dieta à base de plantas, ou pelo menos redução no consumo de proteína animal. A contribuição da pecuária para as emissões de gases do efeito estufa é tão grande que se o gado de todo o mundo se unisse e criasse um país, a emissão seria a terceira maior do planeta, menor somente que a dos Estados Unidos e da China. A contribuição é relevante e de diversas formas. Primeiro porque o arroto do gado, em função do processo de digestão do alimento, libera grande quantidade de metano. Em segundo, porque áreas destinadas à produção de grãos para produção de ração bovina alimentaria muito mais pessoas se fosse destinada à alimentação humana. Estima-se que 100 hectares de produção de grãos pode alimentar 1.100 pessoas, mas esses grãos destinados à ração bovina alimentam somente oito pessoas com carne. Em terceiro, porque também demanda extensas áreas de pastagem (que no Brasil sempre há a possibilidade de ser sobre áreas desmatadas do Cerrado e da Amazônia) e muita água. Uma redução no consumo já é suficientemente relevante. Reduzindo o consumo de proteína animal pela metade, diminuiremos a emissão de gases a partir da produção de alimento em 40%.

2. Viagens de avião. Os voos correspondem a 2,5 % do total de carbono emitido anualmente, mas um voo entre São Paulo e Miami emite por pessoa o equivalente a um ano de emissão de um carro. Esses números têm sido cada vez mais usados para justificar um movimento que surgiu nas redes sociais inicialmente na Suécia em 2016, mas que tomou o mundo, em especial após a pandemia da Covid-19. É a "vergonha de voar", ou do original sueco “flygskam”, ou ainda “flightshame”, em inglês.

3. Não possuir carro. Carros estão entre os maiores emissores de CO2 per capita comparados a outros meios de transporte, como transporte público ou bike. A queima de combustíveis fósseis é a maior fonte de emissão de gás carbônico anualmente. O setor de transporte corresponde a 16% do total emitido e quase a metade é proveniente do transporte de pessoas. Substituindo o uso diário do carro por uma bike, por exemplo, além de diminuir substancialmente as emissões individuais, a saúde agradece.

4. Ter menos filhos (ou não tê-los). Essa é uma questão recente, mas crescente entre os “Millenials”  (nascidos entre 1980 e 1994) e os nascidos da Geração Z (1995 a 2015), porque a decisão de ter filhos é a que possui maior impacto na redução da emissão individual de CO2. É importante mencionar que a redução da emissão não é igual para todo o mundo, já que a emissão per capita é bastante desigual entre países ricos e pobres. Para se ter uma ideia, um jato do Elon Musk emite o equivalente a 30.000 estadunidenses e o 1% mais rico da população do planeta é responsável por 15% das emissões totais. Isso significa que a decisão de não ter filhos gera mais impacto entre famílias de países ricos que de países pobres. 

Diante de números tão astronômicos, parece que nossas decisões individuais adiantam pouco ou quase nada na diminuição das emissões. Mas cientistas perceberam que influenciamos outras pessoas a também mudarem o comportamento. Eles acreditam que isso ocorre porque estamos constantemente avaliando nossas atitudes baseado em como nossos pares estão agindo e ajustamos para agir de acordo.

Mesmo que você não pare de comer proteína animal, a redução já é significativa. Iria viajar de avião? Que tal tentar ir de ônibus? O mais importante, além da própria diminuição na emissão dos gases, é ter como premissa de decisão o hábito menos agressivo ao meio ambiente. Não tenho carro, vou para o trabalho de bike há dois anos já, e diminuí bastante o consumo de proteína animal. Filhos? Não os tenho, mas adoção seria uma opção. É o que posso fazer por enquanto. E você? Qual hábito pensa em mudar para enfrentarmos a maior provação que a humanidade irá passar?

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Leandro Bonesi é Oceanógrafo, Mestre em Oceanografia Biológica e Doutorando em Oceanografia Ambiental. Atua como Gerente em uma empresa de consultoria ambiental e está nesse mercado desde 2007 tentando entender como o ser humano impacta o meio ambiente marinho. É também mergulhador credenciado PADI, fotógrafo subaquático e colecionador de momentos inesquecíveis no mar e na natureza.

Instagram: @lbonesi

 

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