A performance no surf: Homem x Mulher
Segundo as leis de Darwin, a seleção natural que filtrou os seres humanos ao longo do tempo atribuiu diferenças corporais claras entre homens e mulheres.
29/Out/2014 - www.surfari.me - BrasilALERTA: Este post é capaz de gerar discussões acerca de temas como o feminismo e o machismo. Coloque-se no lugar de quem escreveu e veja como é difícil dissertar sobre o assunto, sempre com o cuidado de estar pisando em ovos para tentar ser imparcial (sorry homens, pisar em ovos pode ter soado mal…).
Na idade das cavernas, os homens saíam para caçar e apenas aqueles indivíduos mais fortes, com o cérebro preparado para tal tarefa eram bem sucedidos e conseguiam alimentar a prole. Enquanto isso, a fêmea ficava em “casa” dividindo seu tempo na realização de multi-tarefas, entre elas, cuidar dos filhos. Essa primeira representação “natural” (segundo Darwin) de uma família teve influência muito grande no papel que cada sexo adquiriu na sociedade. Muitos comportamentos atuais se espelham nessa herança do tempo. Hoje o cenário já mudou bastante, mas é impossível dizer que a igualdade chegou a todas esferas, até porque, milhões de anos dando ênfase a matérias distintas nos fez seres de gêneros com habilidades diferentes.
Historicamente, entende-se que os esportes foram oficializados na Grécia Antiga, com os Jogos Olímpicos, e naquela época essa novidade não incluía as gregas como protagonistas dos jogos. Em 700 e tanto antes de Cristo, os esportes ainda eram muito vinculados às batalhas e a galera achava que não fazia muito sentido incluir elas nas Olimpíadas (só participaram a primeira vez em 1900).
Observando inicialmente, a aptidão física parece ser o motivo pelo qual as modalidades são divididas entre gêneros, como na luta livre, no tênis, no basquete, no judô, onde a diferença de performance entre homens e mulheres é muito díspare. No surf essa lógica se mantém, mas… deveria ser assim?
“Se analisarmos friamente, o surf é um esporte que envolve força e potência, pois estamos em constante movimento contra uma ação da natureza (a onda) e isso requer uma grande exigência física”, ressalta Marcio Torres, educador físico e treinador da Preparasurf.
Observando os campeonatos percebemos a desigualdade entre o nível de surf feminino e masculino. As baterias femininas são recheadas de rasgadas e cutbacks, mas desnutridas de aéreos e manobras mais agressivas (salvo algumas rabetadas arriscadas aqui e ali). Lembrando que não queremos desmerecer a performance das garotas, mas apenas entender a origem da questão. Isso porque, não raramente vemos em diversas praias ou em vídeos, pequenos e esguios moleques capazes de alçar voos estratosféricos, e isso não é baseado na complexidade física, mas no treino e na repetição.
Começamos com os hormônios, principais responsáveis pela distinção entre os sexos. A testosterona, também conhecido como hormônio anabolizante, é encontrado em maior quantidade nos homens, aumentando a massa muscular, a força, a velocidade e a potência. Além das moças saírem em desvantagem devido ao volume muscular menor, ainda têm em média 10% a mais de gordura corporal, o que afeta diretamente o rendimento físico e diminui a estabilidade dinâmica nas articulações maiores como ombros e joelhos, intensamente exigidos nas manobras.
Outro fator importantíssimo para a evolução no esporte é a capacidade aeróbia, que está diretamente relacionada com a quantidade de glóbulos vermelhos presentes no organismo. Eles têm a missão de transportar oxigênio para os músculos e, novamente, os homens saem em vantagem, tendo um fôlego cerca de 30% maior que o das mulheres.
“O surf apresenta muitas das características de um esporte aeróbico, portanto uma menina poderá se aproximar bastante do power surf masculino, contudo deverá se dedicar muito mais nos treinos fora d’água para compensar essas diferenças de gordura e resistência aeróbia”, esclarece o treinador Marcio Torres.
Ainda assim, não são todos os quesitos em que elas levam desvantagem. Nas meninas, o hormônio da relaxina é predominante, superando os caras na flexibilidade, que segundo Marcio Torres, repercute no alcance de uma maior amplitude articular. Isso é bem importante para evitar lesões em caso de torções (algo comum no surf) e deixar os movimentos mais “polidos” dando um efeito mais clássico nas manobras. Traduzindo, pra elas não é tão difícil conseguir aquele joelhinho dobrado na rasgada ou um bracinho menos ‘armado’ na cavada. Ponto positivo.
“O que falta às atletas é treino. Enquanto, no surf, os homens estão próximos de alcançar o limite da performance, as mulheres têm um espaço imenso para evolução. Sobre a questão do treinamento, pensa quantas horas uma ginasta treina entre seus 8 e 18 anos. Se uma surfista igualar, ou ao menos aproximar, esse número é muito provável que o gap de desempenho entre os gêneros diminua”, explica José Antonio Aranha, educador físico e treinador de atletas de alto desempenho.
Mas será que apenas treinar mais é a resposta? Talvez não. Quando pensamos sobre esse gênero no surf, é preciso considerar a extensão da influência e domínio das marcas em relação ao tema. Isso nos leva à velha (e quiçá interminável) discussão sobre o sexismo no surf feminino.
A visão da surfista sensual, de pele bronzeada e corpo curvilíneo ainda persiste diante da atleta, um estilo de aparência que não deve ser julgado pela indústria do surf da mesma maneira que a atleta-modelo, e sim por seu desempenho em competições ou radicalidade. Então, se para as mulheres alcançarem uma performance tão boa quanto a dos homens, elas acabassem “deformando” o desenho do seu corpo, será que continuariam sendo aceitas pelos marqueteiros do esporte? Difícil dizer, mas nos padrões atuais esse caminho seria bastante dificultado.
É possível observar dois exemplos expressivos desse dilema. Em primeiro plano, se tem a havaiana Alana Blanchard, a surfista mais conhecida mundialmente. Mas, conhecida pelo quê? Certamente muito mais pelo seu Instagram recheado de poses sensuais, pouca roupa e estilo de vida invejável do que pelo desempenho como atleta. E isso se explica através de seus resultados nas competições. Das oito etapas que disputou esse ano não passou do segundo round (repescagem). Por outro lado, a brasileira Silvana Lima, que já venceu o Rip Curl Pro Bells Beach e está entre as poucas atletas a constantemente apresentar manobras inovadoras, está em busca de um patrocínio para se manter no WT.
Apesar de ainda haver uma certa dependência, por parte da indústria, do estereótipo da atleta-modelo para o fomento e expansão do esporte, o técnico de surf Leandro Dora, o Grilo, observa que nos últimos dois anos já houve um salto em questão qualidade, pressão e inovação de manobras entre as surfistas. Segundo Grilo, é uma questão de tempo para que o gap de desempenho seja estreitado. E isso pode ser comprovado ao analisar as primeiras colocadas no ranking da ASP em 2014, Stephanie Gilmore, Sally Fitzgibbons, Tyler Wright e Carissa Moore, são mulheres que mantém a feminilidade, mas ao mesmo tempo já ostentam um padrão corporal mais característico de atletas.
Através dessa introdução de dados – introdução sim, pois essa provavelmente é apenas a ponta de um iceberg bem profundo – é possível chegar a alguma conclusão? Possivelmente. Tentando trazer lógica em frente ao caos, concluímos que apesar da herança genética e da forma como a sociedade se organizou durante muito tempo, o avanço das tecnologias talvez seja um fator que altere com gravidade esse gap de performance que tentamos entender. Por tecnologia, não nos referimos a centros de treinamento como os da Red Bull, mas coisas da vida real como a máquina de lavar, a fralda descartável, congelamento de óvulos, divisão de tarefas, enfim, coisas que libertaram a mulher do confinamento domiciliar. Apesar dessa herança, hoje em dia a sociedade caminha para uma forma de organização muito mais centrada no indivíduo e na realização de seus anseios pessoais e profissionais, seja eles qual forem. De maneira mais simples, não há nenhum obstáculo intransponível para se atingir um objetivo.
Ora, se observarmos que as mulheres só foram incluídas nos Jogos Olímpicos em 1900 e atualmente apresentam níveis de desempenho surpreendentes, não podemos esperar nada diferente da excelência, em qualquer que seja a modalidade. Portanto, fica o aviso aos machos alfa de lineups mundo afora, é bom que todos nós treinemos, ou muito em breve nossas irmãs, amigas e namoradas vão nos botar em combinação.
Escrito em colaboração por Amanda Oshida, Eduardo Linhares e Lucas Zuch