Tiro nas costas de Ricardinho pode agravar situação de policial, diz PM
Segundo IML, um tiro acertou as costas, já que bala ficou alojada na lombar. Dois projéteis atingiram Ricardo dos Santos e perfuraram vários órgãos.
22/Jan/2015 - G1 SC - Santa Catarina - BrasilO tiro que atingiu as costas do surfista catarinense Ricardo dos Santos pode agravar a situação do policial suspeito do crime, tipificado pela Polícia Civil como homicídio doloso qualificado. Segundo a Polícia Militar, o resultado do laudo cadavérico do Instituto Médico Legal (IML), divulgado na tarde desta quarta-feira, pode descaracterizar a versão dada pelo soldado, de legítima defesa.
Segundo o IML, o surfista foi atingido por duas balas, e não três, como se suspeitava inicialmente, pois o corpo apresentava três perfurações. Um dos projéteis atingiu o lado esquerdo do corpo, atravessou e saiu pelo direito, perfurando órgãos internos. O outro tiro acertou as costas e a bala ficou alojada na vértebra lombar.Enterro de Ricardinho comoveu surfistas e familiares (Foto: Renan Koerich)
O policial militar Luis Paulo Mota Brentano, de 25 anos, que confessou ter feito os disparos, foi preso em flagrante e está detido em uma sala especial do 8º Batalhão da PM, em Joinville, no Norte do estado, onde ele trabalha desde 2008. O advogado dele, Gilson Schelbauer, disse que, até as 18h30 desta quarta, não havia sido informado sobre o laudo, mas mantém o argumento de legítima defesa, que, segundo ele, independe da posição em que os dois estavam.
Ricardinho, como era conhecido, tinha 24 anos e foi atingido na região entre o tórax e o abdômen, na manhã da última segunda após um desentendimento com o policial, que estava acompanhado do irmão, menor de idade. O crime ocorreu na frente da casa do atleta, na Guarda do Embaú, município de Palhoça, na Grande Florianópolis.
O jovem passou por quatro cirurgias, três delas na segunda, mas não resistiu aos ferimentos e morreu no início da tarde de terça no Hospital Regional de São José, também na Grande Florianópolis. O rapaz foi enterrado nesta quarta, em Paulo Lopes, cidade vizinha.
Laudo
Conforme o gerente do IML, Marcos Aurélio Lima, baço, pâncreas, fígado e intestino foram lesionados pelas perfurações. O laudo cadavérico indica ainda que a veia cava, a de maior fluxo sanguíneo do corpo, foi atravessada por um projétil.
O laudo cadavérico não confirma como ocorreu a sequência de tiros. O IML informou que, pelas marcas, as balas foram disparadas de uma distância superior a 60 centímetros. O órgão esclarece que, somente com outros exames, será possível precisar a distância em que o tiro foi feito e se a bala é compatível com a arma do policial suspeito.
"tiros eram para assustar"
O advogado do policial militar Luis Paulo Mota Brentano, de 25 anos, suspeito de ter assassinado o surfista, alegou que o PM teria efetuado os disparos "simplesmente para assustar, e não para acertar (em Ricardo dos Santos)". Gilmar Schelbauer, sustenta a tese de legítima defesa, já alegada pelo PM e o irmão dele, menor de idade, em depoimento à Polícia Civil, na segunda-feira (19). Segundo o advogado, após uma discussão, a vítima teria voltado com um facão para se defender.
- Ele (o PM) já estava indo embora e a vítima (Ricardinho) teria investido contra ele. Os disparos foram efetuados simplesmente para assustar, e não para acertar - afirmou Schelbauer.
Brentano foi preso em flagrante e levado, primeiramente, ao Batalhão da Polícia Militar de Florianópolis. Na noite desta terça-feira, ele foi transferido para o 8º Batalhão de Joinville, no Norte do estado. Ele está detido por tempo indeterminado. O irmão, que estava junto no carro, foi liberado e é considerado testemunha do caso. Brentano já respondeu a outros processos criminais – e foi absolvido em todos, segundo a PM. Ele será indiciado por homicídio doloso qualificado. Em paralelo, o PM também responderá a um inquérito militar pelo mesmo crime.
- Após o inquérito, a corporação (PM) pode aplicar uma advertência ou até mesmo a expulsão do soldado da Polícia Militar. Caso ele pegue uma pena acima de dois anos, seja na Justiça comum ou militar, automaticamente ele será desligado - explicou a tenente-coronel, Claudete Lemkuhl. A PM informou que o soldado estava de férias no dia em que cometeu o crime.
diferentes versões
Segundo algumas testemunhas, o policial estaria consumindo drogas no momento da discussão. A tese é contestada pelo advogado, que alega que o cliente não usa drogas. "Desde o início ele se colocou em disposição da Justiça pra fazer o exame toxicológico. Ele fez o exame e deixou o veículo dele na delegacia. Foi feito uma perícia em todo o veículo para verificar se foi encontrado algum resquício de droga", alega. Quando saírem, os resultados do exame e perícia serão encaminhados para a Polícia Civil e, posteriormente, para a Corregedoria da PM, conforme a tenente-coronel Claudete Lemkuhl.
Outra versão indica que Ricardinho havia pedido para que o suspeito retirasse o automóvel de cima de um cano na frente da casa do surfista. Ele e o avô iriam consertar a tubulação, que leva água para as famílias daquela área. Segundo os moradores, o policial teria agido de forma agressiva ao responder o surfista, que retrucou, mas não houve uma discussão forte entre os dois. Quando todos achavam que o motorista estava saindo com o veículo, o policial sacou uma pistola e atirou duas vezes contra Ricardo. O atleta ainda tentou fugir, mas foi atingido por mais um tiro nas costas, conforme testemunhas. O delegado responsável pela investigação, Marcelo Arruda, informou que deve ser feita uma reconstituição dos fatos para confirmar o que realmente aconteceu.
velório e enterro
O corpo do surfista Ricardo dos Santos foi enterrado pouco depois das 12h desta quarta-feira (21), no cemitério de Paulo Lopes, na Grande Florianópolis. O velório ocorreu desde 23h de terça (20), no salão da Paróquia Santa Terezinha da Guarda do Embaú, onde o atleta nasceu e morava.
Inicialmente, a família havia optado pela cremação e depois jogar as cinzas no mar da Guarda do Embaú, mas, devido à dificuldade nos trâmites para emissão da escritura de cremação, os familiares decidiram realizar o enterro. O corpo chegou ao local do velório sob aplausos, por volta das 23h de terça. Muitas estavam de branco e seguravam velas.
Na manhã desta quarta, mais amigos e familiares do surfista compareceram ao velório. No local, foram colocadas várias fotos do catarinense surfando e pranchas que ele usava para praticar o esporte. O clima foi de tristeza e indignação.
Jacqueline Silva, Mineirinho, Alejo Muniz, Renan Rocha e Luan Wood são alguns dos surfistas que estiveram presentes no adeus a Ricardinho. No local do sepultamento, parentes e amigos do atleta gritaram: "justiça, justiça, justiça".
doação
O Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis, informou que as córneas de Ricardinho foram retiradas na tarde de terça e serão doadas. A direção do hospital esclarece que, por não ter ocorrido morte encefálica, e sim parada cardíaca, demais tecidos e órgãos não puderam ser aproveitados para doação.