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Brasil

Qual é o oceano que queremos em 2030?

Leandro Bonesi

Entenda os desafios da ciência para conhecer o oceano que temos e proporcionar o oceano que queremos.

Em dezembro de 2017 a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável seria realizada entre 2021 e 2030 com a visão: “A ciência que precisamos para o oceano que queremos”, e a missão de ter soluções transformadoras da ciência dos oceanos para o desenvolvimento sustentável, conectando as pessoas e nosso oceano. Mas, qual é o oceano que queremos? E que oceano é esse que temos, afinal?

Primeiramente, nem a água nem os oceanos são exclusivos da Terra. A origem da água na Terra data de tão cedo quanto a sua formação, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás. Há presença de moléculas de água nas rochas da crosta terrestre, assim como em asteroides e cometas, que atingiram a Terra muito frequentemente durante o início da formação planetária. Aliás, os cometas são compostos basicamente de gelo, poeira e partículas rochosas. Há gelo na Lua, em Marte e nos satélites de Júpiter, Europa e Ganimedes e de Saturno, Encélado. Existem fortes evidências que Marte já teve um oceano líquido, e as luas de Júpiter e Saturno possuem uma capa de gelo recobrindo um oceano de água líquida. A hipótese mais aceita é que a formação do oceano na Terra teve contribuição da água presente desde a origem, de outros corpos celestes que se chocaram contra a Terra e até dos ventos solares!

Uma vez formado, o oceano foi propício ao desenvolvimento da vida. Desde cedo ele já continha os ingredientes para a vida. De fato, foi no oceano que a vida se originou e os fósseis mais antigos encontrados até o momento datam de 3,7 até possivelmente 4,2 bilhões de anos atrás. Ele também é essencial para a manutenção do clima na Terra. É ele que mantém a estabilidade climática necessária para dar tempo à vida adaptar-se às mudanças e evoluir até os dias atuais. Ele transporta calor das regiões tropicais para as regiões temperadas e polares e toda a água circula ao redor do globo. O oceano, e não a Amazônia, é o maior responsável pelo oxigênio que respiramos. Cientistas afirmam que mais de 50% do oxigênio da atmosfera é produzido por microalgas marinhas, inclusive a produção desse gás no oceano primordial transformou a atmosfera terrestre permitindo a evolução de seres que respiram oxigênio e da vida em terra firme.

Fonte: Rahmstorf, 2002. Nature, vol. 419.

O oceano que temos hoje, ou pelo menos 59% de sua área, está experimentando impacto cumulativo significativamente crescente, principalmente devido às mudanças climáticas, mas também por causa da pesca, das mais diversas formas de poluição, da navegação e da acidificação. Os desequilíbrios causados por esses impactos são diversos; aumento do nível do mar e erosão das costas, desestruturação de comunidades biológicas e cadeias alimentares, extinção de espécies, alteração e esterilização de habitats e contaminação de fontes de alimento são alguns exemplos. Os ecossistemas que mais sofrem com esses impactos, são exatamente aqueles que possuem maior biodiversidade, sensibilidade e considerados verdadeiros berçários marinhos e proteções naturais do continente, como recifes de corais e manguezais. 


Fonte: HALPERN, B. S. et al., 2019. Scientific Reports, vol. 9

No oceano que queremos, adotamos hábitos de consumo que ajudam a manter nosso oceano limpo e saudável. Compreendemos e preservamos os ecossistemas marinhos, mantendo o oceano funcional e resiliente. Pescamos de maneira responsável e consciente para que possamos sempre contar com o oceano para alimentar a população global. Tanto a sociedade quanto o planeta se beneficiam de uma economia oceânica equitativa e sustentável para que ninguém seja deixado para trás. Nosso oceano nos protege e nos torna resilientes às mudanças climáticas. As pessoas e as comunidades estão seguras porque reduzimos os riscos e respondemos aos perigos de um oceano dinâmico. Nosso sistema global de observação oceânica nos informa sobre o estado do nosso oceano para que possamos responder às mudanças onde quer que estejamos. As informações sobre todos os aspectos do oceano são conhecidas, abertas e compartilhadas criando um mapa digital completo, da superfície às profundidades, da costa ao mar aberto, da biodiversidade a valores culturais e sociais. Nossa relação com o oceano é outra, em que uma geração inteira ao redor do mundo dos mais diversos estilos de vida estão todas comprometidas em salvar o maior ecossistema do planeta.

Para alcançar essas metas da Década do Oceano, a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO lançou dez desafios:

  1. Entender e vencer a poluição;
  2. Proteger e restaurar ecossistemas e biodiversidade;
  3. Alimentar de forma sustentável a população mundial;
  4. Desenvolver uma economia oceânica sustentável e equitativa;
  5. Desbloquear soluções baseadas no oceano para a mudança climática;
  6. Aumentar a resiliência da comunidade aos riscos oceânicos;
  7. Expandir o Sistema Global de Observação do Oceano;
  8. Criar uma representação digital do oceano;
  9. Assegurar conhecimentos e tecnologia para todos; e
  10. Mudar a relação da humanidade com o oceano.

Não vamos fazer como Elon Musk, que quer terraformar Marte para ser habitável para os seres humanos. Vamos terraformar a Terra. Nesta década que inicia temos a oportunidade única de desenvolver a ciência que precisamos para o oceano que queremos. O oceano nos deu a capacidade de gerar vida e de permitir sua evolução até nós. Devemos ter o compromisso de cuidá-lo, pois sem oceano não há vida.

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Leandro Bonesi é Oceanógrafo, Mestre em Oceanografia Biológica e Doutorando em Oceanografia Ambiental. Atua como Gerente em uma empresa de consultoria ambiental e está nesse mercado desde 2007 tentando entender como o ser humano impacta o meio ambiente marinho. É também mergulhador credenciado PADI, fotógrafo subaquático e colecionador de momentos inesquecíveis no mar e na natureza.

Instagram: @lbonesi

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