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A Crise Climática tem solução, mas não é o que você espera

Leandro Bonesi

Nada que façamos individualmente pode amenizar a crise climática, por isso é preciso se organizar coletivamente. Entenda como e porquê.

Errei quando escrevi o texto intitulado 'Como diminuir seu impacto sobre as mudanças climáticas'. Explico, pois, nada que façamos individualmente tem a capacidade de reverter a crise. A solução, no entanto, não é individual. Até bem recentemente, eu ainda acreditava que a mudança de atitudes individuais poderia atenuar o impacto dos seres humanos sobre o clima e funcionar como um sistema de retroalimentação que poderia contagiar outras pessoas próximas a você a também rever as atitudes. Contudo, não levei em consideração que 10% das pessoas mais ricas do mundo são responsáveis por mais da metade de todas as emissões, nem que 1% dos mais ricos são responsáveis por 15% dos gases estufa, enquanto a metade mais pobre do planeta emite somente 7% do carbono. 63 milhões de pessoas emitem mais que o dobro de carbono que 3,1 bilhões. Segundo o relatório da Oxfam, ONG de origem britânica, trata-se de um caso de desigualdade de carbono ou injustiça climática, e me fez repensar sobre essa sociedade do consumo que vivemos.

Figura: Proporção cumulativa das emissões entre 1990 e 2015, e distribuição global das emissões ligadas ao consumo de diferentes grupos de renda. Fonte: Oxfam.

Argumentei, com base em estudos, que uma "dieta à base de plantas, ou pelo menos redução do consumo de proteína animal", poderia diminuir emissões de carbono. Meu argumento era relativo à estimativa de que 100 hectares de produção de grãos podem alimentar 1.100 pessoas, mas esses grãos destinados à ração bovina alimentam somente oito pessoas com carne. 

No entanto, não levei em consideração que quase um terço de todo alimento produzido no mundo é desperdiçado ao longo da cadeia produtiva, metade entre a produção e o mercado e a outra metade com o consumidor final. Só esse desperdício contribui para 10% das emissões globais de gases do efeito estufa, ao mesmo tempo que 10% da população mundial passa fome. No Brasil é ainda pior e esse índice chega a 15% da população. Não vai ser só evitando o consumo de proteína animal que podemos contribuir para diminuição das emissões. O desperdício é um grande vilão, seja na produção ou no consumo, e deve ser combatido. Na produção, porque é mais lucrativo desperdiçar o alimento do que propor soluções para alimentar a população que passa fome, já que custa dinheiro e não é revertido em lucro. No consumo, porque mais da metade das pessoas não vê problemas em ter comida demais, gerando, inevitavelmente, desperdício.

Passou-me despercebido também que uma dieta à base de plantas é privilégio de uma minoria, porque é caro. No Brasil, maior exportador de soja do mundo, um litro de óleo de soja chegou a custar R$ 15,00 quando da publicação do meu texto anterior (2022), o que é, no mínimo, uma incongruência. Mas também pode ser chamado de inflação pela alta do dólar, já que a moeda nacional desvalorizada favorece a exportação, porque é mais lucrativo. Por isso, a alimentação da população de menor renda é baseada em produtos mais baratos, produzidos em grande escala, ou seja, ultraprocessados e, consequentemente, de pior qualidade. Isso se soma ao fato de que o acesso a uma dieta baseada em produtos naturais é prejudicado pela baixa renda da população por serem mais caros.

Citei também que seria possível diminuir as emissões a partir da redução das "viagens de avião", porque os voos correspondem a 2,5 % do total de carbono emitido anualmente, mas um voo entre São Paulo e Miami emite por pessoa o equivalente a um ano de emissão de um carro. Mas quem vai para Miami? Certamente não é uma realidade para 50% da população brasileira, que ganha até R$ 453,00 por mês. Ou mesmo para 90% da população brasileira, que ganha menos de três mil e quinhentos reais por mês, sendo que boa parte desses brasileiros estão no mercado informal (40%). Enquanto isso, o ex-ministro da economia reclamava que houve um tempo de valorização do real e maior poder aquisitivo da população, e estava “todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada. Mas pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste. Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai conhecer o Brasil”. Não se pode desconsiderar que viagens de avião são realizadas por uma minoria da população, de maior poder aquisitivo.

Não considerei também que somente 2,9% da frota de aeronaves brasileira é destinada ao transporte público e regular, contra 46,6% que é privada. Quem é realmente rico no brasil, não pega voo de carreira, tem jatinho próprio, e boa parte dessas emissões de carbono vêm desse meio de transporte.

"Não possuir carro" também foi argumentado, porque eles estão entre os maiores emissores de CO2 per capita comparados a outros meios de transporte, como transporte público ou bike. Mas essa já é a realidade de metade da população brasileira, que vai diariamente para o trabalho de transporte público, e é ela que mais sofre com o trânsito. Mais uma vez, não é a maioria da população que possui carro. Há ainda o fato de que o Brasil, apesar de ser um dos maiores emissores de gases estufa, sua principal contribuição é por meio do setor agropecuário. A contribuição do transporte brasileiro para o total de emissões mundiais é de 0,43%, contra. O agronegócio emite mais que o dobro disso. Novamente, uma pequena parcela da população brasileira, detentora das terras, é a que mais contribui para o aquecimento global.

Figura: Contribuição de emissões de gases estufa por país e setor econômico. Fonte: WRIBrasil.

Por fim, citei que "ter menos filhos (ou não tê-los)" é a atitude que possui maior impacto na redução da emissão individual de CO2. Estava nesse argumento o embrião do meu atual pensamento sobre o assunto, quando expliquei que “a redução da emissão não é igual para todo o mundo, já que a emissão per capita é bastante desigual entre países ricos e pobres. [...] Um jato do Elon Musk emite o equivalente a 30.000 estadunidenses [...]. Isso significa que a decisão de não ter filhos gera mais impacto entre famílias de países ricos que de países pobres”. Só que fatos recentes vão no sentido oposto. O próprio Elon Musk possui dez filhos, mas ele é somente o mais famoso entre os bilionários que possuem muitos filhos. Aqui, você pode ver uma lista de bilionários americanos com mais de oito filhos. Soma-se a isso o fato de bilionários como Jeff Bezos (da Amazon) estarem investindo em empresas de melhoramento genético para “derrotar a morte”. Sabemos que esse tipo de tecnologia, caso viável, será para atender a essa pequena faixa da população.

Portanto, de nada adianta mudarmos nossos hábitos, nem mesmo influenciarmos as pessoas próximas a nós a mudarem os seus quando a diferença está em somente 1% da população mundial. É preciso nos organizarmos enquanto coletividade para que a mudança seja sobre o modo como a espécie humana se relaciona com o planeta e consigo mesma. Afinal, a única arma que temos é a quantidade. É preciso superar a visão de lucro incessante, em que 63 milhões de pessoas emitem mais que o dobro de carbono que 3,1 bilhões. Só assim conseguiremos sobreviver enquanto espécie humana.

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Leandro Bonesi é Oceanógrafo, Mestre em Oceanografia Biológica e Doutorando em Oceanografia Ambiental. Atua como Gerente em uma empresa de consultoria ambiental e está nesse mercado desde 2007 tentando entender como o ser humano impacta o meio ambiente marinho. É também mergulhador credenciado PADI, fotógrafo subaquático e colecionador de momentos inesquecíveis no mar e na natureza.

Instagram: @lbonesi

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